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sábado, 23 de agosto de 2014

“A estrutura do nosso futebol é reacionária, corrupta e corruptora”.


Juca Kfouri é uma referência de jornalismo esportivo comprometido com os fatos e o crescimento do esporte no Brasil. Tal postura, por si só, o fez romper com os círculos de poder dos dirigentes. Nesta entrevista, ele analisa a situação do futebol brasileiro e o futuro após a votação da Lei de Responsabilidade Fiscal no esporte.

Brasil de Fato – Às vésperas da votação do Proforte na Câmara, a presidenta Dilma se reuniu com o Bom Senso numa semana e na outra com os clubes. O que está em jogo?
Juca Kfouri – Aprovando como os clubes querem, ao invés de mudar o modelo de gestão do futebol brasileiro, teremos mais uma maneira de disfarçar os problemas dele. Eles vão fingir de novo que vão pagar as dívidas e não vão ser responsabilizados se não pagarem. A contrapartida a isso é que se aprove aquilo que o Bom Senso quer: que a cada benefício para os clubes na renegociação da dívida, haja uma responsabilidade correspondente. Foi o compromisso que a Dilma assumiu com o Bom Senso.

Brasil de Fato – As eleições de Belluzzo (Palmeiras), Dinamite (Vasco), Bandeira de Mello (Flamengo) e Bebeto de Freitas (Botafogo) representavam uma “esperança”. Por que fracassaram?
Juca Kfouri – O problema estrutural é tão grande, a estrutura do nosso futebol é tão reacionária, tão corrupta e corruptora, que a questão não se altera com nomes. As pessoas acabam tragadas por ela. Houve uma inversão. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol), que deveria ser uma entidade a serviço dos clubes, virou uma entidade a serviço de si mesma. As federações, que deviam ser meios, viraram fins. E os clubes acabam se submetendo a isso de maneira subserviente. Os clubes deveriam virar sociedades empresariais. Não como na Inglaterra, que permite a um sheik ou um milionário russo comprar um clube, mas como na Alemanha, que se garanta 51% para os sócios, permitindo uma gestão profissional.

Brasil de Fato – A primeira edição da Copa Verde entre clubes do Norte, Centro-Oeste e Espírito Santo acabou decidida no “tapetão”. O que acha disso?
Juca Kfouri – A primeira questão é a criação de paliativos. Por exemplo, um bom paliativo é a Copa do Nordeste, mas dura menos tempo do que deveria. O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), como é, vira um instrumento de poder. Ele tem a mesma eficácia da escala de árbitros, que permanece sob o jugo das entidades. Tanto a arbitragem como a justiça desportiva deveriam ser instituições absolutamente independentes das federações e dos clubes. Na verdade, as federações não fazem mais nenhum sentido, é como jabuticaba, só tem no Brasil. Tem que ser como na COPA DO MUNDO, o chamado rito sumário. Você tem o regulamento, as faltas, o que equivale a cada falta em termos de punição e simplesmente se aplica. Não essa palhaçada bacharelesca que a gente tem aqui. Mas é muito difícil porque faz parte dessa estrutura podre do nosso futebol.
 
Juca Kfouri
Brasil de Fato – A CBF é uma entidade privada, o que dificulta as mudanças. Como democratizá-la e qual o papel do governo e da sociedade nisso?
Juca Kfouri – O torcedor, por enquanto, se restringe à questão dos resultados dentro de campo e a sua indignação não passa disso, porque ele não vê a questão estrutural. A CBF é privada, mas de óbvio interesse público. O futebol é patrimônio cultural do povo brasileiro, submetido à fiscalização do MP (Ministério Publico). O hino e as cores do uniforme da seleção não são da CBF, são do Brasil. O artigo 217da CF (Constituição Federal), que fala da autonomia das entidades, é o escudo que a CBF usa por não usar dinheiro público, diferentemente dos esportes olímpicos. Há uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), aprovada por unanimidade, no sentido de que autonomia não equivale à soberania. A universidade pública no Brasil é autônoma, e deve ser, mas isso não dá a uma faculdade o direito de estabelecer o currículo que ela queira. Quem estabelece é o Ministério da Educação. A autonomia deveria ter este limite. Não tem porque estamos no país dos bacharéis que gostam da ambiguidade e quando as entidades se defendem falando em nome da autonomia, boa parte dos juízes desconhece essa decisão da STF. Então o caminho é uma PEC, que o governo deveria propor para eliminar essa dúvida.

Brasil de Fato – Dunga estaria envolvido com agenciamento de atletas e Gilmar era empresário até a noite anterior ao anúncio de seu cargo. O que aponta a CBF com essas nomeações?
Juca Kfouri – O passadismo, a mercantilização, a pouca transparência... A pouca vergonha, ela é responsável por transformar a seleção na grande grife do nosso futebol, em detrimento dos clubes. Sou de uma época em que uma excursão do Santos era paga com valores comparáveis a um amistoso da seleção. O calendário impede os nossos clubes de jogarem durante o período de pré-temporada na Europa. Ela vende a sua camisa em todas as lojas esportivas do mundo e você não encontra uma camisa de clube brasileiro nelas. Essa é uma política deliberada de uma entidade que vê o nosso futebol como mero exportador de pé de obra. Não exportarmos o espetáculo, mas os artistas.

Por Bruno Porpetta - do Rio de Janeiro (RJ)

Tomado do portal Brasil de Fato:

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